Você já reparou nas trilhas limpas que cruzam a sua lavoura logo após o pôr do sol? Elas são a marca registrada das formigas cortadeiras — saúvas (Atta) e quenquéns (Acromyrmex) — capazes de carregar até 30 % da biomassa foliar de um talhão em poucos dias.
Quem cultiva eucalipto, café ou citrus sabe que essas pragas podem causar uma verdadeira dor de cabeça — com impacto direto na produtividade e nos lucros.
Mas como combatê-las com eficácia e sem desperdício? Este artigo vai além do tradicional “espalhe isca e torça”: aqui, você encontrará a base biológica do problema e, sobretudo, as estratégias integradas que de fato funcionam em 2025.
Aprenda como escolher o método certo para cada estádio do ninho e aproveitar drones, sensores e manejo de formigas cortadeiras de forma sustentável. Vamos lá?
Entenda quem são as formigas cortadeiras
As chamadas formigas‑cortadeiras pertencem principalmente aos gêneros Atta (saúvas) e Acromyrmex (quenquéns), ambos da sub‑família Myrmicinae (Ordem Hymenoptera).
Esses insetos sociais mantêm colônias subterrâneas que podem ultrapassar 8 milhões de indivíduos e ocupar dezenas de metros cúbicos de solo, com galerias que chegam a 6 m de profundidade.
Cada colônia apresenta castas bem definidas — rainha, operárias minúsculas (jardineiras), médias (forrageiras) e soldados — cujo polimorfismo garante divisão de trabalho extremamente eficiente.
O coração biológico do ninho é o “jardim de fungo”: câmaras em que as operárias cultivam o basidiomiceto Leucoagaricus gongylophorus. As formigas cortam fragmentos vegetais, transportam‑nos para essas câmaras e os maceram para alimentar o fungo.
Em troca, o fungo produz gongilídios — estruturas ricas em açúcares e aminoácidos — que constituem a dieta de todo o ninho.
Do ponto de vista ecológico, as formigas cortadeiras são engenheiras ambientais: aceleram a ciclagem de nutrientes, aumentam a porosidade do solo e influenciam a dinâmica vegetal.
Contudo, em sistemas agrícolas, esse mesmo comportamento gera prejuízos consideráveis, tornando‑as uma das pragas mais onerosas da América do Sul, especialmente em cultivos florestais, como o eucalipto.
Conhecer sua morfologia, organização social e dependência fúngica é o primeiro passo para desenvolver estratégias integradas de monitoramento e eliminação.
Como eliminar as formigas cortadeiras
Controle químico
O controle químico ainda é o caminho mais utilizado pelos produtores porque alcança mortalidade rápida e alta.
A estratégia parte de três pilares: identificar ninhos ativos, aplicar o ingrediente certo na dose indicada e acompanhar a colônia por pelo menos 30 dias.
Normalmente empregam‑se iscas granuladas, pós secos ou formulações líquidas.
Cada grupo tem um mecanismo diferente (ingestão, contato ou fumigação), mas todos buscam atingir o “jardim de fungo” que sustenta a colônia. A escolha depende de logística, porte do ninho, restrições ambientais e custo. Entenda como cada um atua:
- Iscas formicidas — as iscas granuladas combinam um atrativo vegetal com inseticidas de ação retardada — principalmente sulfluramida 0,3 % e fipronil 0,003 %. As operárias coletam o grânulo, levam ao interior do formigueiro e o oferecem ao fungo simbionte; a toxina difunde‑se lentamente, contaminando larvas, jardineiras e a rainha.
- Pós e líquidos inseticidas — Pós secos (por exemplo, clorpirifós 2 % ou beta‑cipermetrina) e soluções líquidas requerem a abertura dos “olheiros” para injeção direta. Essa via é recomendada em ninhos muito antigos ou quando o produtor precisa de supressão imediata antes do plantio.
Alternativas sustentáveis
Também separamos as principais inovações alinhadas com a sustentabilidade ambiental para o controle de formigas cortadeiras.
Controle biológico
O alvo preferencial é o próprio fungo simbionte. Formulações à base de Beauveria bassiana ou Metarhizium anisopliae produzem conídios que germinam sobre cutícula das operárias, penetram por enzimas e atingem o jardim.
Ensaios com isolados selecionados (p. ex., B. bassiana AM‑9) reduzem a atividade dos ninhos em 60–70 % em 45 dias, especialmente sob umidade relativa acima de 75 %.
Além dos fungos, pesquisa avança na liberação de moscas forídeos parasitoides das cortadeiras, mas a técnica ainda requer massalhamento em biofábricas.
Manejo integrado de pragas (MIP)
O MIP para formigas cortadeiras integra monitoramento sistemático, definição de nível de ação e rotação de táticas. Recomenda‑se:
- Vistoria pré‑plantio com mapeamento de ninhos (≥ 2 ninhos ha⁻¹ em eucalipto, por exemplo, já justificam intervenção).
- Aplicação de isca na seca, seguida de checagem quinzenal.
- Uso de pós líquidos apenas em ninhos remanescentes.
- Inserção de controle biológico nos olheiros ativos durante a estação úmida.
- Apoio tecnológico — drones multiespectrais ou radar de abertura sintética detectam montes e câmaras até 2 m sob o solo, reduzindo a área de busca em até 70 %.
Além de baixar custos, o MIP minimiza resíduos, retarda resistência e atende exigências de certificação florestal.
O Manual técnico da Embrapa recomenda repetir o ciclo a cada seis meses nos dois primeiros anos do talhão e manter registros georreferenciados para avaliar a dinâmica populacional.
Tecnologias no combate: como drones e sensores ajudam no controle
A digitalização do manejo florestal trouxe ferramentas que enxergam abaixo do dossel, no interior do solo e em tempo real.
Ao acoplar câmeras ópticas, sensores multiespectrais, térmicos e radares ao drone — além de algoritmos de IA — o produtor consegue localizar ninhos de Atta em poucos minutos, direcionar a aplicação de iscas ou bioprodutos e registrar todo o ciclo no SIG da fazenda.
Veja como essas tecnologias são aplicadas.
Mapeamento de ninhos por imagem RGB + visão computacional
UAVs voando a 80–120 m geram ortomosaicos com GSD de 2–3 cm. Modelos de deep learning (YOLOv5, Mask‑RCNN) treinados sobre essas imagens identificam o montículo de terra típico dos ninhos e medem sua área exposta, com acurácia acima de 92 %.
Sensores multiespectrais e térmicos
Bandas próximas ao infravermelho (NIR ~ 860 nm) realçam o contraste solo/vegetação, enquanto câmeras térmicas de 640 × 512 px revelam pontos quentes causados pela fermentação do jardim fúngico — útil em ninhos jovens sem montículo visível.
Radar de abertura sintética (SAR) embarcado
Para ninhos subterrâneos profundos (> 1 m), a ótica falha: o solo encobre todos os indícios. Entra então o SAR em bandas L e P.
Prototipado no Brasil, o radar leve (< 8 kg) detecta variações dielétricas associadas às galerias e ao fluxo de CO₂, distinguindo câmaras de 30 cm até 2 m sob a superfície — mesmo sob dossel fechado ou nuvens.
Aplicação dirigida por drones
Multirotores de 10–20 L lançam isca granulada por funil vibratório com precisão de ±0,5 m ou fazem pulverização ultrabaixa (ULV) de inseticida líquido diretamente nos “olheiros” abertos.
A telemetria registra hora, GPS e volume aplicado, garantindo rastreabilidade e conformidade com certificações FSC/Cerflor.
Redes de sensores in‑situ e IoT
Estacas piezoelétricas ou microfones de solo detectam vibrações (< 2 kHz) geradas pelo tráfego de operárias. Esses “estetoscópios digitais” enviam alertas via LoRa‑WAN para o dashboard; quando a atividade cruza o nível de ação, o software agenda o voo do drone.
7 Dicas práticas para o produtor: como aplicar tudo isso na fazenda com tecnologia
Confira aplicações estratégicas para um manejo integrado de formigas cortadeiras mais eficaz.
1. Diagnóstico (com drone)
Comece com uma inspeção minuciosa. Pode-se utilizar um drone RGB (GSD ≤ 3 cm) e marcar cada ninho ativo com GPS ou diretamente no SIG da fazenda.
Em áreas já infestadas há anos, um segundo voo com radar de abertura sintética (bandas L/P) ajuda a localizar câmaras profundas que não aparecem na superfície.
Salve as coordenadas e a estimativa de área exposta; essas métricas definem dose e método de controle.
2. Definição das janelas de controle
Sincronize a intervenção com o ciclo da cultura e o comportamento das formigas, alinhando de acordo com a época:
- Estação seca: iscas granuladas funcionam melhor, pois há menor oferta de alimento natural e a umidade do isco não empedra.
- Pré‑plantio ou renovação do povoamento: use pós ou líquidos para suprimir rapidamente colônias que ameaçam mudas recém‑plantadas.
- Estação úmida (≥ 70 % UR): insira controle biológico; fungos entomopatogênicos germinam e se espalham mais rápido.
3. Seleção do método certo para cada foco
A escolha do método de controle deve considerar o estágio e o porte do ninho.
Ninhos novos, com menos de 0,5 m² de montículo, respondem bem à aplicação de iscas granuladas à base de sulfluramida 0,3%, preferencialmente distribuídas ao redor dos olheiros no final da tarde, quando a atividade das operárias é maior.
Ninhos de porte intermediário, com montículos entre 0,5 e 1,5 m², demandam uma abordagem combinada: a isca pode ser aplicada junto com o controle biológico, utilizando produtos à base de Beauveria bassiana, especialmente no início da estação chuvosa, quando a umidade favorece a eficácia do fungo.
Já os ninhos antigos ou profundos, que apresentam montículos maiores que 1,5 m² e galerias subterrâneas acima de 1 metro de profundidade, requerem o uso de pós ou líquidos inseticidas aplicados diretamente nos olheiros, com a abertura de 3 a 5 pontos para injeção de 20 a 30 mL por local, visando atingir diretamente o “jardim de fungo”.
4. Execução sem desperdício
Calibre o dosificador (manual ou funil vibratório do drone) antes de entrar em campo. A referência prática é 8–10 g de isca por metro quadrado de montículo, distribuída em anel a 30–50 cm dos olheiros.
Para pós líquidos, introduza a haste aplicadora a 40–60 cm, sem estrangular galerias, garantindo que o fluxo alcance o “jardim de fungo”. Registre volume, horário, temperatura e umidade – esses dados explicam diferenças de eficiência depois.
5. Follow‑up de 15 e 30 dias
Retorne ao campo (ou voe o drone) duas semanas após a aplicação. Avalie três indicadores: tráfego de operárias (visual ou sensor de vibração), redução da área do montículo e presença de brotos frescos cortados nas bordas do talhão.
Se a atividade residual for superior a 20 % da contagem inicial, repita a dose ou troque de princípio ativo. No 30.º dia, reavalie; colônias sem movimento podem ser marcadas como inativas no SIG.
6. Integração com o MIP
Mantenha o tema formigas cortadeiras dentro do programa de manejo integrado de pragas. Para isso, defina:
- O limiar de ação (ex.: ≥ 2 ninhos ativos ha⁻¹ nos dois anos iniciais de eucalipto).
- Rotação dos grupos químicos para retardar resistência.
- Cruzamento de imagens de drone com amostragens de campo para priorizar talhões.
- alinhamento de aplicações, custos e resultados em relatório semestral; esses dados comprovam boas práticas a auditores FSC/Cerflor.
7. Segurança e conformidade
Equipe sempre com EPI completo (luvas nitrílicas, respirador P3, óculos vedados). Respeite receituário agronômico e distâncias mínimas de corpos d’água (≥ 30 m para iscas; ≥ 50 m para aplicação aérea).
Embalagens vazias devem seguir a tríplice lavagem e devolução em postos de coleta. Para operações com drone, mantenha check‑list de manutenção, log de voo e calibração de bicos/pistões, atendendo NR‑31 e legislação de aviação agrícola.
Esse cuidado evita multas, mantém a equipe segura e assegura rastreabilidade ao longo de todo o ciclo de produção.
O manejo integrado de formigas cortadeiras exige muito mais do que aplicar iscas ao acaso. É necessário combinar diagnóstico preciso, seleção criteriosa de métodos, execução calibrada e acompanhamento sistemático dentro de um programa de MIP.
Ao integrar tecnologias como drones multiespectrais, sensores térmicos e radar SAR, o produtor ganha agilidade para localizar colônias ocultas, reduzir o uso de inseticidas e comprovar boas práticas frente a auditorias de certificação.
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